Em Portugal, é inegável a importância económica, social e ambiental da produção local de bens alimentares, provenientes de explorações agrícolas de carácter familiar e de pequena ou muito pequena dimensão.
Segundo dados de 2018, existirão no país cerca de 242 000 explorações agrícolas classificadas como familiares, ou seja, 94% do total de explorações existentes. Representam ainda 54% da Superfície Agrícola Utilizada (SAU) e mais de 80% do trabalho agrícola total.
A legislação1 que consagra o estatuto de agricultura familiar reconhece inequivocamente a sua relevância.
Nela se diz que “as atividades da agricultura, da produção animal, da floresta, da caça, da pesca, bem como as atividades dos serviços que estão diretamente relacionados com a agricultura familiar são determinantes em grande parte do território nacional. Estas atividades assumem, assim, relevância na produção, no emprego, na biodiversidade e na preservação do ambiente através, nomeadamente, do incentivo à produção e ao consumo locais, que por sua vez minimizam as perdas e o desperdício alimentares, garantindo também uma presença em muitas áreas do interior”.
Fica assim formalmente reconhecido o papel que a pequena agricultura de carácter familiar e local desempenha nos planos económico, social e ambiental e também na coesão territorial do país. Outro aspecto importante é o contributo que a produção proveniente das pequenas e muito pequenas explorações agrícolas pode dar, não só para a segurança no abastecimento de bens alimentares e para a auto-suficiência alimentar2 do país, mas também no combate ao desperdício. Com efeito, os produtos que excedem o consumo próprio das famílias podem ser vendidos através de canais de comercialização simples, a preços acessíveis e, desta forma, assegurar a essas famílias um rendimento adicional.
No quadro internacional, a relevância da agricultura familiar foi reconhecida pela ONU que declarou 2014 “Ano Internacional da Agricultura Familiar” e proclamou o decénio 2019-2018 “Década da Agricultura Familiar” sublinhando o seu contributo para a segurança nutricional e alimentar global, a erradicação da pobreza, a erradicação da fome, a conservação da biodiversidade e a melhoria da sustentabilidade ambiental.
1. O estatuto da agricultura familiar foi consagrado pelo Decreto-lei nº 64/2018 de 7 de Agosto e regulamentado pela Portaria nº 73/2019 de 7 e Março.
2. Auto-suficiência ou auto-aprivisionamento de um país pode ser definido como sendo a sua capacidade para satisfazer as necessidades de consumo de bens alimentares da sua população através da respectiva produção interna e/ou da importação de bens alimentares financiadas pelas correspondentes exportações. Segurança no abastecimento de bens alimentares consiste na garantia de um abastecimento normal e a preços acessíveis e estáveis do mercado interno de bens alimentares, quer em condições normais, quer em situações de emergência com base, quer na produção nacional, quer em importações. A diferença deste conceito para o de auto-suficiência alimentar reside do facto de ele não condicionar as importações de bens alimentares à obtenção de divisas por parte de exportações do mesmo tipo de bens (F.Avillez - “Auto-suficiência alimentar” – súmula da apresentação na sessão “Alimentação e Economia” no ciclo de conferências “O futuro da Alimentação”, Fundação Calouste Gulbenkian, Junho de 2012.